今天,居然被某粉催更了,没办法,听众都是老爷,还好很早之前我脑子里就有思路了,但是稿子实在没读熟,不过还好这期我有帮手嘛,我的耳朵怀孕了,今天为大家带来一首诗Um Adeus Português,大概给大家讲了这首诗的写作背景和对作者本人的采访,希望大家喜欢,感谢对FM1346014的关注,有你们真好,下期再见。应许多听众要求,以后附上播音稿:
Olá, caros onvintes, sejam muito bem vindo a mais uma edição do programa hoje, sou o Henrique Qian, hoje, vou compartihar um poema covosco, vamos começar.
O poema em tela – Um Adeus Português – foi escrito em 1950 por ocasião de um evento biográfico que o próprio O’Neill, anos mais tarde, esclareceu por intermédio de algumas entrevistas. Apaixonado pela poetisa surrealista francesa Nora Mitrani, O’Neill decidiu ir a Paris para viver uma estória de amor com a sua musa. Em plena ditadura, o poeta foi interrogado pela polícia política portuguesa que não lhe concedeu o passaporte. A não consecução de sua história de amor pelo menos gerou uma pérola literária, singela e bissexta, daquelas que só uma alma portuguesa consegue expiar ao expressá-la, em palavras, a dor, lancinante e pungente, que teima em não nos abandonar…
Uma vez, quando já adulto, perguntei ao meu pai porque não víamos arquitetos, pintores ou escultores portugueses de tanto destaque como no campo das letras. Meu querido pai me disse: “Meu filho, Portugal é um país muito pequeno, espremido entre o mar e a montanha. Quando olhamos para dentro, o país já acabou; quando olhamos para fora, vemos a imensidão do mar a nos espreitar… E o mar, em sua mansidão meditativa, nos convida muito mais a escrever sobre as nossas dores e os nossos tormentos. O mar não deixa de ser um espelho do nosso ser…”
Talvez seja por isso que eu sinta uma saudade imensa de meu pai, quando estou a contemplar o mar. O mar nos inspira a relembrar a infância inocente, a meninice vigorosa, os folguedos de garoto, os amores perdidos, as amizades esvaídas, as lembranças partidas… Engraçado como a vida parece em muito com o movimento do mar: as pessoas vão e vêm, em um fluxo contínuo e irresistivelmente exasperado, nos altos e baixos da maré. Quando começamos a nos acostumar com a presença, elas se vão furtivamente, como numa espécie de lembrete constante de que a vida é um constante fluxo, como diria o velho filósofo grego Heráclito. Estou cada vez mais convencido de que contemplar o mar, além de ser um exercício de humildade, é uma afirmação inconteste da vacuidade de nosso ser…
Sinto saudades de tudo e de todos – em especial de meu pai. Ao me debruçar sobre o mar vejo cada vez mais que ele é um depositário fiel, com certeza, de minh’alma luso-brasileira…
Então vamos ouvir um adeus português.
Um Adeus Português
Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz de ombros puros e a sombra
de uma angústia já purificada
Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor
Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver
Não podias ficar nesta cama comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual
Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta dor portuguesa
tão mansa quase vegetal
Não tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser
Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal
*
Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.
Wow, os meus ouvidos estão grávidos, então, vamos ouvir a edição mais forte e bem pronunciada.
Um Adeus Português
Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz de ombros puros e a sombra
de uma angústia já purificada
Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor
Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver
Não podias ficar nesta cama comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual
Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta dor portuguesa
tão mansa quase vegetal
Não tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser
Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal
*
Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.
Alexandre O'Neill, in 'Poesia Completas'
Ok. Queridos ouvintes, o nosso programa fica por aqui muito obrigado pela sintonia e até a próxima.