Capítulo 22
Foi então que apareceu a raposa.
- Olá, bom dia! - disse a raposa.- Olá, bom dia! - respondeu delicadamente o principezinho que se voltou mas não viu ninguém.
- Estou aqui- disse a voz - debaixo da macieira .
- Quem és tu? - perguntou o principezinho. - És bem bonita...
Sou uma raposa- disse a raposa.
- Anda brincar comigo - pediu-lhe o principezinho. – Estou tão triste…
- Não posso ir brincar contigo - disse a raposa. - Não estou presa ...
- Ah! Então, desculpa! - disse o principezinho.
Mas pôs-se a pensar, a pensar, e acabou por perguntar:
- O que é que "estar preso" quer dizer?
- Vê-se logo que não és de cá - disse a raposa. - De que é que tu andas à procura ?
- Ando à procura dos homens - disse o principezinho. – O que é que "estar preso" quer dizer?
- Os homens têm espingardas e passam o tempo a caçar - disse a raposa. - É uma grande maçada ! E também fazem criação de galinhas ! Aliás, na minha opinião, é a única coisa interessante que eles têm. Andas à procura de galinhas?
- Não - disse o principezinho. – Ando à procura de amigos. O que é que "estar preso" quer dizer?
- É uma coisa que toda a gente se esqueceu – disse a raposa. – Quer dizer que se está ligado a alguém, que se criaram laços com alguém.
- Laços?
- Sim, laços - disse a raposa. - Ora vê: por enquanto , para mim, tu não és senão um rapazinho perfeitamente igual a outros cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto, para ti, eu não sou senão uma raposa igual a outras cem mil raposas. Mas, se tu me prenderes a ti, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E, para ti, eu também passo a ser única no mundo…
- Parece-me que estou a começar a perceber - disse o principezinho. - Sabes, há uma certa flor… Tenho a impressão que estou preso a ela...
- É bem possível - disse a raposa. - Vê-se cada coisa cá na Terra...
- Mas não é da Terra! - disse o principezinho.
A raposa pareceu ficar muito intrigada .
- Então, é noutro planeta?
- É.
- E nesse tal planeta há caçadores?
-Não.
- Começo a achar-lhe alguma graça ... E galinhas?
-Não.
- Não há bela sem senão... - disse a raposa.
Mas a raposa voltou a insistir na sua ideia:
- Tenho uma vida terrivelmente monótona . Eu, caço galinhas e os homens, caçam-me a mim. As galinhas são todas iguais umas às outras e os homens são todos iguais uns aos outros, Por isso, às vezes, aborreço-me um bocado. Mas se tu me prenderes a ti, a minha vida fica cheia de Sol.
Fico a conhecer uns passos diferentes de todos os outros passos. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus hão-de chamar-me para fora da toca, como uma música. E depois olha! Estás a ver, ali adiante , aqueles campos de trigo? Eu não como pão e, por isso, o trigo não me serve para nada. Os campos de trigo não me fazem lembrar de nada. E é uma triste coisa! Mas os teus cabelos são da cor do ouro. Então, quando eu estiver presa a ti vai ser maravilhoso! Como o trigo é dourado , há-de fazer-me lembrar de ti. E hei-de gostar do barulho do vento a bater no trigo…
A raposa calou-se e ficou a olhar durante muito tempo para o principezinho.
- Por favor… Prende-me a ti! - acabou finalmente por dizer.
- Eu bem gostava - respondeu o principezinho - mas não tenho muito tempo. Tenho amigos para descobrir e uma data de coisas para conhecer...
- Só conhecemos as coisas que prendemos a nós – disse a raposa. – Os homens, agora, já não têm tempo para conhecer nada.
Compram as coisas já feitas nos vendedores. Mas como não há vendedores de amigos , os homens já não têm amigos. Se queres um amigo, prende-me a ti!
- E o que é que é preciso fazer? – perguntou o principezinho.
- É preciso ter muita paciência. Primeiro, sentas-te um bocadinho afastado de mim, assim, em cima da relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas todos os dias te podes sentar um bocadinho mais perto...
O principezinho voltou no dia seguinte.
- Era melhor teres vindo à mesma hora - disse a raposa. Se vieres, por exemplo, às quatro horas, às três, já eu começo a ser feliz. E quanto mais perto for da hora, mais feliz me sentirei. Às quatro em ponto já hei-de estar toda agitada e inquieta : é o preço da felicidade!
Mas se chegares a uma hora qualquer, eu nunca saberei a que horas é que hei-de começar a arranjar o meu coração, a vesti-lo, a pô-lo bonito... São precisos rituais .
- O que é um ritual? - perguntou o principezinho.
- Também é uma coisa de que toda a gente se esqueceu - respondeu a raposa. - É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias e uma hora, diferente das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, têm um ritual. À quinta-feira, vão ao baile com as raparigas da aldeia. Assim, a quinta-feira é um dia maravilhoso. Eu posso ir passear para as vinhas . Se os caçadores fossem ao baile num dia qualquer, os dias eram todos iguais uns aos outros e eu nunca tinha férias.
Foi assim que o principezinho prendeu a si a raposa. E quando chegou a hora da despedida:
- Ai! - exclamou a raposa – Ai que me vou pôr a chorar…
- A culpa é tua - disse o principezinho. - Eu bem não queria que te acontecesse mal nenhum, mas tu quiseste que eu te prendesse a mim…
- Pois quis - disse a raposa.
- Mas agora vais-te pôr a chorar! - disse o principezinho.
- Pois vou – disse a raposa.
- Então não ganhaste nada com isso!
- Ai isso é que ganhei! – disse a raposa. – Por causa da cor do trigo…
Depois acrescentou:
- Anda, vai ver outra vez as rosas. Vais perceber que a tua é única no mundo. Quando vieres ter comigo, dou-te um presente de despedida: conto-te um segredo.
O principezinho lá foi ver as rosas outra vez.
- Vocês não são nada parecidas com a minha rosa! Vocês ainda não são nada - disse-lhes ele. - Não há ninguém preso a vocês e vocês não estão presas a ninguém. Vocês são como a minha raposa era. Era uma raposa perfeitamente igual às outras cem mil raposas. Mas eu tornei-a minha amiga e, agora ela é única no mundo.
E as rosas ficaram bastante incomodadas .
- Vocês são bonitas, mas vazias - ainda lhes disse o principezinho. - Não se pode morrer por vocês. Claro que, para um transeunte qualquer, a minha rosa é perfeitamente igual a vocês. Mas, sozinha, vale mais do que vocês todas juntas, porque foi a ela que eu reguei . Porque foi a ela que eu pus debaixo de uma redoma . Porque foi a ela que eu abriguei com o biombo .
Porque foi a ela que eu matei as lagartas (menos duas ou três, por causa das borboletas). Porque foi a ela que eu ouvi queixar-se, gabar-se e até, às vezes, calar-se. Porque ela é a minha rosa.
E então voltou para o pé da raposa e disse:
- Adeus...
- Adeus - disse a raposa. - Vou-te contar o tal segredo. É muito simples:
só se vê bem com o coração . O essencial é invisível para os olhos…
- O essencial é invisível para os olhos – repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Foi o tempo que tu perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Os homens já se esqueceram desta verdade - disse a raposa. - Mas tu não te deves esquecer dela. Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que está preso a ti. Tu és responsável pela tua rosa…
- Sou responsável pela minha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.